Corrida
por mineração pode estar por trás de desastre
Ricardo
Moraes/ Reuters
Barragem rompida em Minas Gerais:
enchentes e o fluxo de lama mataram pelo menos duas pessoas e outras 25 ainda
estão desaparecidas
Alonso Soto e Jeb Blount, da REUTERS
Brasília - As companhias mineradoras
frequentemente reclamam que a burocracia sem fim torna os negócios difíceis no
Brasil, mas os promotores e ambientalistas dizem que o rompimento das barragens
da mina de minério de ferro, que causou uma inundação massiva na semana
passada, aponta para lapsos na regulamentação.
As enchentes e o fluxo
de lama mataram pelo menos duas pessoas e outras 25 ainda estão desaparecidas
em um desastre que aconteceu dois anos após um estudo solicitado por um promotor
alertar que as represas do Estado de Minas Gerais, rico em recursos minerais,
poderiam entrar em colapso.
"Era evidente que esta barragem estava em
risco", disse à Reuters Carlos Eduardo Pinto, um promotor estadual que
investiga a indústria mineradora, referindo-se à primeira barragem que cedeu,
levando à ruptura de outra.
Pinto está investigando se a barragem, um
reservatório para água com rejeitos de mineração, estava muito cheia.
O rompimento das barragens aconteceu na quinta-feira
em uma mina operada pela Samarco, uma joint venture entre a BHP Billiton, a
maior empresa de mineração do mundo, e a Vale, maior produtora de minério de
ferro. Em 2013, quando a Samarco estava buscando a renovação de sua licença de
operações, Pinto comissionou um estudo que descobriu um erro de design na
barragem de rejeitos. Isto alertou que o aterro poderia ceder se ficasse
saturado de água.
O Instituo Pristino, um grupo ambientalista
composto por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
recomendou que a companhia conduzisse um estudo sobre o rompimento de barragens
e esboçasse um plano de contingências em caso de transbordamento. Mas a agencia
estatal licenciadora ignorou as recomendações e renovou a licença das minas uma
semana após o estudo ser divulgado, em outubro de 2013.
O órgão ambiental do Estado responsável pela
agência de licenciamento disse em um e-mail que o relatório recomendou apenas
padrões industriais.
Não disse se solicitou à companhia que reforçasse
os padrões antes de renovar as licenças, embora tenha dito que uma auditoria
independente na barragem em julho deste ano foi concluída e a estrutura estava
estável.
Os promotores estão investigando se o aumento da
produção na mina pode ter afetado o volume do reservatório.
A Vale disse que a mina da Samarco aumentou a
produção no ano passado em 37 por cento com a adição de uma nova instalação de
pelotas de minério de ferro. Pinto disse que a companhia optou por acomodar o
crescimento aumentando o muro da barragem, em vez de construir uma nova, o que
pode teria sido mais caro, e ainda estava trabalhando nisto quando a barragem
se rompeu.
A Samarco confirmou que estava conduzindo um
trabalho de expansão na barragem, mas disse que ainda não poderia determinar uma
causa para o rompimento.
Um executivo da empresa disse em uma coletiva de
imprensa no fim de semana que a Samarco nunca havia visto o relatório de 2013.
No domingo, o governador de Minas Gerais Fernando
Pimentel procurou dissipar qualquer falha no processo de licenciamento.
"Não acho que este acidente aconteceu devido a
quaisquer erros no licenciamento ambiental", disse. Entretanto, nesta
segunda-feira, o governo de Minas Gerais embargou todas atividades da
mineradora Samarco na região de Mariana, segundo nota da Secretaria de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
REGULAMENTAÇÃO
Como governador do Estado que detém centenas de
minas que respondem por cerca de 5 por cento da economia local, Pimentel é a
favor do licenciamento mais veloz.
Desde que assumiu em janeiro, ele tem trabalhado em
um projeto de lei, agora na assembleia estadual, que visa acelerar grandes
projetos de mineração.
Embora um assessor do governo tenha dito que o
Estado pode ter que repensar o ritmo acelerado das aprovações, isto é parte de
uma diretriz para menos regulamentações em uma indústria que é uma das maiores
do país e líder em fonte de receitas de exportação. Os defensores da indústria
dizem que regulamentações excessivas causam atrasos e excessos de custos.
A mina de minério de ferro Minas-Rio, de 14 bilhões
de dólares, em desenvolvimento em Minas Gerais pela Anglo American, é o maior
investimento estrangeiro da história no Brasil e custou mais que o triplo
durante os sete anos que levou para conseguir as licenças.
Mas os reguladores e ambientalistas alertam contra
a expedição de processos, especialmente considerando o histórico de rompimento
em outras barragens de rejeitos nos últimos anos e a resposta inadequada dos
governos a eles.
Especialistas dizem que catástrofes de represas e
os custos associados com as limpezas estão crescendo ao redor do mundo por que
as regulamentações e práticas de segurança não acompanharam as tecnologias
modernas que permitem mega projetos em uma escala que não era possível
anteriormente.
O Brasil, que abriga uma grande indústria de
mineração, teve inúmeros e repetidos desastres, especialmente no chamado
"quadrilátero ferrífero", no qual a Samarco opera.
Em 2001, quando uma barragem de rejeitos de minério
de ferro em Nova Lima se rompeu e cinco pessoas morreram, Minas Gerais tinha
somente quatro geólogos e quatro engenheiros de minas para coordenar uma
resposta, que incluiu a inspeção de centenas de minas ativas e um número
desconhecido de instalações desativadas.
Mesmo assim, o Estado em 2007 descentralizou o
licenciamento para nove escritórios regionais.
No ano passado, outra barragem de rejeitos na
cidade de Itabirito se rompeu, matando três trabalhadores.
Em resposta, Pinto, o promotor estadual, montou uma
força tarefa e identificou mais de 200 barragens que precisavam de melhorias de
segurança.
O acidente na semana passada já disparou ligações
raivosas por legisladores federais para incluir segurança mais rigorosa e
controles ambientais em uma proposta de código de mineração que está parada no
Congresso há anos.
A proposta, esboçada no auge do recente boom das
commodities, focava em royalties e aumento das receitas do governo, sem fazer
menção à segurança ambiental.
"Este acidente trará consequências",
disse o senador Delcídio Amaral, um influente político do Partido dos
Trabalhadores, sugerindo que pode acelerar uma votação na proposta e pressionar
para incluir normas federais mais rígidas. Klemens Laschesfki, professor de
Geociência da Universidade Federal de Minas Gerais, disse que o foco no
crescimento econômico em vez do rigor na regulamentação levou a consequências
que "não surpreendem ninguém".
Na Samarco, ele adicionou, "os riscou eram
conhecidos por todos, desde a empresa até os políticos. O governo aprovou e
esperou que nada acontecesse."