Como uma experiência pessoal levou Thais Ferreira a
um negócio social e ao setor público
Por
Decidir a área em que desejamos atuar não é nada fácil, e às vezes uma
experiência pessoal muda toda a nossa trajetória profissional. Foi o caso da
carioca Thais Ferreira, atualmente assessora parlamentar da Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), mãe do Athos, de 6 anos, e do João,
de 3 anos.
Tendo iniciado graduações em Design de Moda e História da Arte, e após
ingressar no mestrado em Artes Visuais, Imagem e Cultura da UFRJ, Thaís passou
por essa experiência em 2012, após engravidar pela primeira vez em 2011. E dela
surgiu uma história inspiradora de educação e trabalho social.
Ponto de virada
“Tive minha primeira gestação entre 2011 e 2012, e perdi meu filho em
2012. NAquele momento, vi outras mulheres em situação parecida com a minha no SUS,
mas que tinham a diferença em termos de acesso a informação qualificada”,
conta.
Na sua experiência com o Sistema Único de Saúde, ela percebeu que outras
mulheres que não tinham tido as mesmas oportunidades de educação que ela teve
passavam por mais dificuldades. E não se tratava de ter conhecimentos que só
médicos poderiam compreender, mas noções mais básicas sobre o próprio corpo.
Por iniciativa própria, ela encontrou a Universidade Aberta do SUS (UNASUS), um
sistema de educação online do próprio sistema. “É um conteúdo voltado para
profissionais da saúde pública, e eles usam muito na formação de médicos e
gestores”, explica Thais.
A princípio, o sistema não é voltado para o público, mas Thais conseguiu
acesso com o auxílio de profissionais que lhe emprestaram suas credenciais.
“Quando eu comecei a questionar [os profissionais de saúde pública] sobre a
participação do usuário no sistema, eles se viram provocados”, relembra.
Mãe e mais
Diante da percepção de que havia informação de qualidade relevante para
gestantes e crianças na primeira infância, mas que ela não chegava a quem
precisava dela, Thais resolveu agir. Foi com base em suas vivências que ela
modelou um negócio social chamado Mãe&Mais.
“A gente percebeu que o analfabetismo em saúde é um problema bem grave”,
conta Thais. “Considerando que o atendimento médio do SUS tem uma duração de 9
minutos, a minha vontade era educar em saúde para que as mulheres se
apropriassem dos seus próprios corpos”, continua.
Para isso, o Mãe&Mais faz ações sociais gratuitas para gestantes e
mães de crianças em primeira infância em territórios socialmente vulneráveis do
Rio de Janeiro. Entre as ações estavam seções de atendimento de mulheres e
resoluções de dívidas e rodas de conversa facilitadas por assistentes sociais
para tratar de temas sensíveis.
A iniciativa também oferece às mães materiais de baixo custo para
estimular o desenvolvimento infantil, e realizava atividades de reforço de
vínculo parental “para que a mulher e a criança se conectem através do brincar,
com o objetivo de educar para estimular as crianças desde a primeira infância”.
Naturalmente, a organização também oferecia às mães e às crianças
atendimento médico a baixo custo, o que oferecia a oportunidade de diagnosticar
precocemente problemas que poderiam se tornar mais graves. “Às vezes, como há
muita dificuldade em marcar consultas com especialistas, alguns diagnósticos atrasam”,
comenta Thais.
Ida para o setor
público
Com sua experiência no Mãe&Mais, Thais teve a vontade de continuar
atuando junto às mães e crianças, mas em escala maior. Dessa vontade surgiu a
ideia de se candidatar para uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro durante as eleições de 2018. Essa decisão, conta Thais, “foi entendendo
que o público que eu queria atender era justamente o que não podia bancar, e
que o SUS tem uma dificuldade de aplicação por meio de políticas públicas”.
Para isso, no entanto, ela foi orientada a se distanciar do
Mãe&Mais, já que sua atuação junto às comunidades vulneráveis poderia
configurar compra de votos. E assim ela fez. “Eu me senti tranquila porque eu
entendia que era um próximo passo. Tinha esperança de que poderia rolar de
fato, e a gente ia conseguir chegar em muito mais gente, com mais força”,
conta.
E realmente, quase rolou. “Faltaram menos de mil votos para eu ser
eleita”, lembra Thais, “Foi um processo de aprendizado, e eu senti que
precisava aprender mais sobre esse lugar”. Nesse cenário, surgiu a oportunidade
de trabalhar como assessora parlamentar em São Paulo, para o mandato da
deputada estadual Marina Helou. “Os projetos que eu já pensava em fazer eram
muito alinhados com o que ela tinha em mente”, narra.
Outro fator que a motivou nessa transição foi a oportunidade de ocupar
um lugar que ainda poucas mães negras ocupam. “A gente vê que nesses espaços
existe muita exclusão, e que as pessoas de referência são sempre as mesmas,
homens brancos da elite. Então eu entendi que me posicionar como uma referência
seria algo empoderador”, diz.
Educação continuada
Ao longo dessa trajetória, Thais também pode complementar sua formação
por meio de diversas oportunidades de estudo. Uma delas foi por meio do projeto
Líderes Públicos da Fundação Lemann. Com
outros 19 Lemann Fellows, ela foi a Zurique, na Suíça, para um curso de
formação em educação infantil, política de drogas e segurança pública.
Além disso, ela também realizou cursos nas plataformas ArvardX e MITX,
os portais de educação a distância da Harvard
University e do MIT.
Após ter contato com essas ferramentas na UFRJ, ela aproveitou um momento em
que o dólar estava mais barato para receber certificações relevantes para sua
área de atuação.
“Foi bom porque eu consegui contato com grupos de todo o mundo que
buscam soluções para problemas parecidos com o meu”, relata. Além disso, a
experiência lembrou a ela de um programa em Harvard para o qual ela foi
selecionada quando estava no ensino médio, mas do qual não pode participar por
falta de dinheiro. “Me apropriar dessas ferramentas online hoje é um meio
paleativo de acessar esse conhecimento que ainda é excludente”, considera.
Para o futuro
Thais não descarta a possibilidade de se candidatar novamente nas
eleições de 2020, dessa vez para o cargo de vereadora, embora ainda precise
alinhar questões como captação partidária e captação de recursos. “O
compromisso que a gente assume quando tem uma votação massiva como eu tive não
é algo sobre o que a gente pode decidir sozinho”, comenta.
Enquanto isso, além de assessora parlamentar, ela também continua sua
atuação em outras iniciativas sociais. Uma delas é a Massa Comunicação de
Causas, uma espécie de agência que “faz o assessoramento de marcas e coletivos
que querem se comunicar melhor sem perder a verdade de seu discurso”, alucida.
Outra delas é a Afrofuturo,
um projeto de educação antirracista pensado a partir do resgate das origens
afrodiaspóricas dos povos negros.